Pouco mais de uma hora basta para
que muros, fachadas e tampas de bueiros sejam cobertos por tintas e sprays.
Espalhadas pelas ruas cariocas, as pinturas da tendência artística conhecida
por arte urbana, quase sempre, fazem críticas, revelam fantasias e compartilham
ideias particulares. É exatamente este universo contagiante e intrigante que o curta-metragem
“Intervenha Aqui”, dirigido e roteirizado por Sidney Dore, aluno de Cinema da
PUC-Rio, aborda. Em 15 minutos de planos recheados de cores e movimento, o
documentário busca “o fator que impulsiona a interferência visual do nosso
espaço urbano”, em outras palavras, o que move a galera que vem transformando o
cenário visual carioca.
Com uma equipe de produção de
pouco mais de dez pessoas – entre produtores e seguranças - e cerca de duas
semanas de filmagens de planos e entrevistas, o projeto do curta nasceu a
partir do olhar observador de Sidney pelos próprios trajetos cotidianos.
Sidney é o responsável pela criação do "Intervenha Aqui"
(Foto: Fe Dore)
(Foto: Fe Dore)
- O insight rolou quando, em um
dia normal, estava chegando à PUC e vi um estêncil emoldurado com a frase “intervenha
aqui dentro”. As artes urbanas sempre me
chamaram a atenção e, a partir disso comecei a desenvolver a concepção de
linguagem e estética do filme – afirmou.
Daí em diante, o cineasta se
encarregou dos contatos com os mais variados artistas urbanos – ou
intervencionistas – conhecidos no meio das artes, de modo a convidá-los a
participarem do filme. Entre os nomes selecionados, se encontra o da artista
plástica Joana César, a autora dos indecifráveis escritos espalhados pelos
muros do Humaitá, Jardim Botânico e Gávea. As letras de ângulos retos e poucas
curvas foram criadas durante sua adolescência, após ter tido o diário invadido
pelo irmão mais velho.
No filme, Joana afirma que apesar
de as galerias de arte ainda serem pontos fortes para exposições, nada pode ser
comparado à dimensão de público que a arte urbana pode atingir. E reforça, a
resposta das pessoas é muito mais rápida e dinâmica que em salões.
- As pessoas vão lá para ver o
que o cara fez há um tempo. Na rua a coisa é rápida, acontece tudo ao mesmo
tempo. Quando eu comecei a pintar, as pessoas já estão olhando, aprovando ou
reprovando – disse.
A artista plástica Joana César: "Antes pintava tela.
Hoje eu pinto viaduto" (Foto: Reprodução) |
Outro nome presente no curta é o
do skatista e grafiteiro profissional Kajaman, que, em sua entrevista para o
filme, afirma não enxergar o mundo com olhos acostumados. Segundo ele, isso é o
que o motiva a querer sempre transformar o espaço onde vive.
- Nunca vi uma escada como uma
escada, um corrimão como um corrimão ou uma ladeira como uma ladeira. Em cada
rua que eu passo penso que ali poderia haver uma arte minha ou de outra pessoa
– diz o grafiteiro.
Com uma
linguagem simples e dinâmica, o curta-metragem não conta a história da “street
art”. No entanto, permite que cada artista exponha sua visão e explique sobre
seu próprio trabalho, o que acaba, por fim, apresentando ao espectador um
panorama sobre a tendência artística sob o olhar de quem a pratica. Mas Sidney
afirma ter aprendido que, por mais que o filme exponha essas “explicações”, as
obras não se sustentam com apenas um significado.
Kajaman fazendo uma de suas intervenções (Foto: Reprodução) |
Com o filme pronto, o diretor e roteirista
agora se dedica à estreia da obra, ainda sem data prevista. Apesar de não ter
sido lançado oficialmente, o “Intervenha Aqui” já foi exibido em alguns
festivais nacionais e internacionais, como o Festival Latino Americano, em São
Paulo, e o Festival de Escuelas de Cine, em Montevidéu, no Uruguai. Agora, o
curta aguarda a possibilidade de ser transmitido no Curta Brasília, no Festival
Cine Favela e alguns outros festivais internacionais.
Por conta das exibições no Brasil
e mundo afora, Sidney agora se dedica à produção das legendas para o filme e de
sua divulgação. Sobre a disponibilização na internet, o cineasta é categórico:
ainda não está na hora.
- Estou na correria de terminar
as legendas pra mandar para festivais internacionais e, enquanto isso vou
inscrevendo o filme em diversas mostras e festivais Brasil afora. A expectativa
é divulgar ao máximo e, quando esgotar o tempo de vida dele em festivais, vamos
disponibilizar gratuitamente na internet – explicou.
Além de tudo isso, o jovem ainda
planeja alçar voos mais altos com o que idealizou. A vontade de levar o
conhecimento sobre as intervenções à população é tão grande e motivadora em si,
que o universitário já começou a esboçar as primeiras linhas de um projeto para
televisão sobre o tema.
Paineis enfeitam o cenário carioca com pinturas irreverentes e coloridas (Foto: Reprodução) |
- Minha ideia é fazer uma série
sobre o assunto, abrindo-o um pouco mais à opinião pública e à teórica, de
antropólogos e sociólogos. O enfoque é o mesmo, mas o objetivo é dar voz a
outras pessoas envolvidas nesse cenário, e não só os artistas em si.
Enquanto o filme não chega para o
grande público, o jeito é observar esse grande divã de artistas inovadores que
se tornou o espaço urbano, e tentar refletir sobre os questionamentos que cada
obra carrega consigo. E, é claro, manter-se aberto as sensações que este estilo
artístico suscita em cada um que se propõe a enxergá-lo com outros olhos.
- Assista ao trailer do filme: